terça-feira, 20 de dezembro de 2011

6 meses de silêncio


No dia 17 de Junho de 2011, a irresponsabilidade de um piloto, somada à falta de controle da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), trouxeram morte, dor e desesperança para as nossas famílias.

Desde então, buscamos revisar o processo de fiscalização das carteiras de habilitação (junto à ANAC), mas infelizmente, até hoje, não conseguimos ser ouvidos.

Este vídeo é um apelo, para que tragédias como essa, não aconteçam também com a sua família.

O que de fato aconteceu no dia 17 de junho de 2011?
Quem são os pilotos envolvidos?
Como anda o processo de investigação?
Até quando a ANAC vai se negar a receber os familiares das vítimas?
Estou totalmente solidário aos familiares.
Chega de impunidade e leniência nas investigações. Justiça, já!
Jorge Tadeu da Silva
Jornalista

O que é a Justiça para esses parentes?

“Justiça é que nada disso tivesse acontecido, que a gente pudesse ter as nossas vidas de volta. Que as pessoas não pilotem mais helicópteros sem habilitação, só porque têm dinheiro”, diz Garna, irmã da Jordana.

“O que aconteceu não foi uma fatalidade”, afirma Bruno Gouveia. “Ficou claro desde o começo, tamanha a quantidade de negligências: voo sem autorização, brevê vencido, imprudência de voo devido às condições climáticas; inocentes colocados em risco, autoridades até hoje sem dar nenhuma satisfação aos familiares.”

As vítimas da tragédia

Abaixo, trechos da conversa de ÉPOCA com as famílias das vítimas da tragédia:

ÉPOCA – O que vocês esperam com essas ações e com o vídeo?

José Luca Magalhães Lins – Apurações das equipes das empresas Eurocopter, fabricante do helicóptero, Helibras, sua subsidiária brasileira, Turbomeca, fabricante da turbina, e da oficina Ultra Rev, que fazia a manutenção da aeronave no Rio de Janeiro, concluíram que o helicóptero estava em estado técnico perfeito, com a revisão em dia. O grande problema era a prática do Almeida de dar a matrícula de outra pessoa para voar sem condição, fora da legalidade. A falha foi cem por cento humana. Minha revolta é como esse piloto que deu sua matrícula para o Marcelo Almeida decolar não sofreu nenhum tipo de represália ou não teve sua habilitação suspensa pela Anac até que tudo seja apurado?

Hélio Noleto – Como qualquer pessoa pode decolar e pousar em aeroportos como o de Vitória, onde o Almeida fez uma parada para abastecer, e o de Porto Seguro, que recebem tantos voos comerciais, dando a matrícula de outro piloto? Não existe fiscalização, é uma baderna. O que existe é uma indignação das famílias com o poder público. Eu perdi o que não poderia perder. E só recebi o atestado de óbito da minha filha. Não recebi documento algum dizendo o que houve de fato naquela noite. Isso pode acontecer com qualquer pessoa.

Márcia Noleto – Minha causa é que, com isso, nenhuma outra pessoa morra por negligência das autoridades. Que pelo menos um oficial do aeroporto peça o documento de identificação com foto dos pilotos para liberar a decolagem. Encontrei o Marcelo Guaranys, presidente da Anac, que me prometeu tomar uma atitude, mas não retornou mais minhas ligações. Eu enlouqueci nesses últimos meses, e as autoridades não me dão notícias, não me dão uma posição. Tenho o direito de saber o que aconteceu com a minha filha.

Bruno Gouveia – O que aconteceu não foi uma fatalidade. E isso ficou claro desde o começo, tamanha a quantidade de negligências: voo sem autorização, brevê vencido, imprudência de voo devido às condições climáticas; inocentes colocados em risco, autoridades até hoje sem dar nenhuma satisfação aos familiares.

ÉPOCA – Como fizeram para atravessar esses seis meses?

José Luca Magalhães Lins – Eu tive um tumor de dois centímetros no cérebro há um ano e meio e foi pelo meu filho que eu lutei para viver. Ele me ensinou o que era o amor de verdade, me ajudou no processo de cura. Foram duas pancadas seguidas, mas a primeira não chega aos pés da outra. Eu quero a Justiça quanto às regras. Vivo um dia de cada vez, e a fé tem me ajudado muito. Mas a dor é infinita, não para, é a cada segundo.

Márcia Noleto – Eu enlouqueci durante alguns meses. Me trancava no quarto dela, agarrava as roupas dela e chorava. Eu fiquei completamente desnorteada; já fui a centros espíritas, budista, já conversei com padres, porque eu quero entender onde ela está. Tem amiguinhas que sonham com ela e passam recados, mas eu nunca sonhei.

Hélio Noleto – Fiz um tratamento psquiátrico. Se não fosse isso, eu não estaria de pé. Hoje estou norteando minha vida nas coisas que a Mariana gostaria que eu fizesse: praticar esportes, trabalhar bem.

Garna Kfuri – É uma dor indescritível, que dura 24 horas por dia. Acho que jamais aprenderei a viver com essa dor, com essas injustiças todas.

Maximiliano Assunção – No dia em que minha mãe foi para Trancoso, eu conversei com ela, que me pediu um abraço e um beijo antes de eu sair para trablhar no Exército, às quatro da manhã. Isso nunca acontecia, apesar de ela ser carinhosa. Senti que era uma despedida. Nossa mãe era tudo para a gente.

ÉPOCA – Algumas pessoas podem ter o pensamento: “por que vou ajudar aquelas pessoas que estavam passando um fim de semana de helicóptero na Bahia”. O que vocês diriam a elas?

Márcia Noleto – Nós somos uma família de classe média, juntamos dinheiro durante anos para comprar nosso apartamento, começamos a vida num quarto e sala. Tudo foi conquistado com suor e trabalho. Minha filha passou a fazer parte desse mundo por causa do namoro, mas esse não era o mundo dela.

Iolanda Assunção – Nossa mãe veio da Bahia para tentar a vida como babá no Rio e nunca nos deixou passar necessidade. Ela trabalhava há 16 anos com a família Magalhães Lins e foi assim que estudamos sempre em escola particular, tivemos roupas, passeios e comida.

ÉPOCA – Esse episódio teve repercussão política pela presença do governador do Rio, que também estava na viagem a Trancoso para a festa de aniversário do empresário Fernando Cavendish, marido de Jordana Kfuri, que tem diversos contratos com o Estado do Rio por meio de sua construtora, a Delta. Qual a postura dele?

José Luca Magalhães Lins – Sérgio poderia ter entrado naquele helicóptero, assim como seu filho. Só não o fez porque se decidiram embarcar primeiro as mulheres e as crianças.

Márcia Noleto – Ele foi muito solidário e estava desesperado. Mariana e Marco Antonio, filho dele, namoravam há oito anos. Ela era como se fosse da família. Sobre política, nunca falamos.

ÉPOCA – O que pretendem fazer com o dinheiro caso recebam as indenizações?

José Luca Magalhães Lins – Vou fundar uma instituição com o nome do meu filho que ajude crianças carentes.

Hélio Noleto – Essa indenização não vai me devolver a minha filha, mas vai ajudar como medida educativa e punitiva para coibir essa prática nefasta que todo mundo sabe que acontece a torto e a direito pelo Brasil.

Márcia Noleto – Quero criar uma ONG de assistência a mães que tenham perdido seus filhos de maneira trágica.

Garna Kfuri – Justiça é que nada disso tivesse acontecido, que a gente pudesse ter as nossas vidas de volta. Eu queria que as pessoas não se sentissem donas do mundo, que soubessem que estão erradas, que não pilotassem mais helicópteros sem habilitação, só porque têm dinheiro. Minha mãe foi muito guerreira; perdeu duas filhas e dois netos e ainda tem que pagar por isso? O absurdo nunca termina.

(As famílias são representadas pelo mesmo advogado, o carioca João Tancredo, que recentemente ajuizou uma medida cautelar no Tribunal de Justiça do Rio, em nome de Mara Kfuri, mãe de Jordana e Fernanda, para arrestar os bens do espólio de Marcelo Almeida. O pedido foi julgado improcedente e Mara foi condenada a arcar com as custas processuais no valor de cerca de R$ 800 mil).

Fonte: Revista Época

Parentes de vítimas de queda de helicóptero em Trancoso contam por que entraram na Justiça

O acidente aconteceu há seis meses. Entre as vítimas, estava a namorada do filho do governador Sérgio Cabral

REVOLTA
Da esquerda para a direita, Hélio e Márcia Noleto, José Luca Magalhães Lins, Garna Kfuri,
Iolanda e Maximiliano. Eles postaram um vídeo na internet pedindo mais rigor à Anac

No último dia 17, foram lembrados os seis meses do trágico acidente de helicóptero que ia do aeroporto de Porto Seguro para o resort Jacumã, em Trancoso, na Bahia.

As vítimas fatais foram Mariana Noleto, namorada do filho do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, as irmãs Jordana e Fernanda Kfuri com os respectivos filhos, Luca Magalhães Lins, de 3 anos, e Gabriel Gouveia, de 2, a babá de Luca, Norma Assunção, e o piloto, o empresário Marcelo Mattoso de Almeida, que estava com a habilitação vencida havia seis anos.

Os parentes das vítimas entraram na semana passada com ações indenizatórias na Justiça do Rio de danos morais e materiais contra o espólio de Almeida, as empresas First Class Group, dona da aeronave, e a Blue Reef Participações Imobiliárias, que têm entre os sócios a viúva e os filhos do empresário. E contra o resort, por ter permitido o pouso com um piloto em situação irregular.

'Época' reuniu pela primeira vez familiares das vítimas, como o empresário José Luca Magalhães Lins, pai de Luca, Garna Kfuri, irmã de Jordana e Fernanda, Márcia e Hélio Noleto, pais de Mariana, e Maximiliano e Iolanda, filhos da babá Norma. O músico Bruno Gouveia, vocalista da banda Biquíni Cavadão e pai de Gabriel, não participou da entrevista, mas deu seu depoimento.

O grupo postou um vídeo em redes sociais pedindo maior rigor à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Almeida fornecera para a torre de controle de Porto Seguro a matrícula de outro piloto, Felipe Calvino Gomes, que estava com a habilitação em dia e se disse surpreso com o uso de seu nome.

Apurações de equipes das empresas Eurocopter, fabricante do helicóptero, Helibras, sua subsidiária brasileira, Turbomeca, fabricante da turbina, e da oficina Ultra Rev, que fazia a manutenção da aeronave no Rio, concluíram que o helicóptero estava em estado técnico perfeito, com as revisões em dia. “O problema era a prática do Almeida de dar a matrícula de outra pessoa para voar sem condição, fora da legalidade. A falha foi 100% humana”, afirma Magalhães Lins.

“Como qualquer pessoa pode decolar e pousar em aeroportos como o de Vitória, onde o Almeida fez uma parada para abastecer, e o de Porto Seguro, que recebem tantos voos comerciais, dando a matrícula de outro piloto? Não existe fiscalização, é uma baderna”, afirma Hélio Noleto, pai de Mariana e funcionário do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro. Sua mulher, Márcia, encontrou-se em agosto com Marcelo Guaranys, presidente da Anac, para cobrar providências. “Minha causa é que nenhuma outra pessoa morra por negligência das autoridades. Que pelo menos um oficial do aeroporto peça o documento de identificação com foto dos pilotos para liberar a decolagem. Ele me prometeu tomar uma atitude, mas não retornou mais minhas ligações. Enlouqueci nestes últimos meses, e as autoridades não me dão notícias. Nem uma posição. Tenho o direito de saber o que aconteceu”, diz. O casal, assim como o outro filho, João Pedro, de 14 anos, tatuou no braço o nome da filha. Márcia pretende criar uma ONG para mães que perderam seus filhos de maneira trágica.

Procurada por 'Época', a assessoria da Anac pediu alguns dias para responder. No dia 6 de dezembro, publicou em seu site um comunicado com medidas de “vigilância continuada dos planos de voo no Brasil”. Pela primeira vez, confirmou irregularidades tanto dos pilotos Marcelo Almeida e Felipe Calvino, quanto da First Class. “O piloto Marcelo Mattoso de Almeida, que operava o helicóptero e faleceu no acidente, estava com a habilitação vencida desde 2005 e também não possuía Certificado de Capacidade Física válido. O piloto Felipe Calvino Gomes também foi penalizado com dois autos de infração a partir da constatação de duas omissões em registros de voos (...) no dia do acidente”, diz a Anac.

O episódio teve repercussão política pela presença do governador do Rio. O grupo viajava a Trancoso para a festa de aniversário do empresário Fernando Cavendish, marido de Jordana Kfuri, que tem contratos com o Estado do Rio por meio de sua construtora, a Delta, e não se juntou aos demais parentes no processo nem na campanha. “Sérgio poderia ter entrado no helicóptero, como seu filho. Mas decidiram embarcar primeiro as mulheres e as crianças”, diz Magalhães Lins. “Ele foi solidário e estava desesperado. Mariana e Marco Antonio, filho dele, namoravam havia oito anos. Ela era como se fosse da família”, diz Márcia.

“Como esse piloto que deu sua matrícula para o Marcelo Almeida não sofreu nenhum tipo de represália ou não teve sua habilitação suspensa pela Anac até que tudo seja apurado?”, diz Magalhães Lins. Procurados por ÉPOCA, Calvino e o advogado do espólio de Marcelo Almeida não foram encontrados. Com a indenização, Magalhães Lins, dono do time de futebol Boavista, pretende criar uma ONG para ensinar esportes a crianças carentes. “Tive um tumor no cérebro há um ano e meio e foi pelo meu filho que lutei para viver. Agora não posso celebrar a vida com ele”, diz. (...)

Fonte: Bruno Astuto com Acyr Méra Júnior (Época) - Foto: Miguel Sá